MÚSICA E RELIGIÃO – UM INSTIGANTE ASPECTO NO ÂMBITO DA HISTÓRIA DA MÚSICA- Parte I

 

INTRODUÇÃO

A imagem ao lado, bastante conhecida, ilustra de forma objetiva alguns dos passos dados pelo Ser Humano na trilha de sua evolução. Objetiva e simples, a ilustração não traduz no entanto, no que diz respeito ao tempo, as centenas de milhares de anos que a raça humana demandou, até atingir a condição de Homo Sapiens e os dias atuais.

É consenso entre os estudiosos que labutam nos diversos ramos do Conhecimento, que a evolução humana, a par de seu desenvolvimento biológico propriamente dito, ocorreu, em especial, pelo fato de o Ser Humano  apresentar algo que o diferencia de todas as manifestações da vida no planeta Terra – a racionalidade. Este consenso desdobra-se na visão de que a evolução do Ser Humano ocorreu solidamente alicerçada em 4 poderosos alicerces: Ciência, Filosofia, Religião e Arte. Assim, poderíamos grosso modo traduzir a evolução humana a partir de 4 grandes questões, que vêm atormentando o Homem em sua jornada evolutiva desde tempos imemoriais, e que o impulsionaram na busca incessante pelas respostas. Essas 4 grandes questões traduzem-se nos 4 ramos do Conhecimento citados. São elas:

• CIÊNCIA – O que são e como funcionam a Natureza e o Universo?.
• FILOSOFIA – Quem, ou o quê sou Eu?
• RELIGIÃO – Quem me criou, e quem criou o Universo?
• ARTE – De que forma posso manifestar e comunicar meus pensamentos e sentimentos?

Assim, como de imediato podemos deduzir, cada um desses 4 ramos do conhecimento desdobraram-se em incontáveis vertentes, em decorrência das  experiências humanas, vividas milênio após milênio, no enfrentamento das grandes questões da sobrevivência e da própria perpetuação da raça. Não iremos aqui, claro, analisar todos esses incontáveis desdobramentos, já que beiram ao infinito. Uma vez que nosso objetivo, com esta série de artigos, é estudar especificamente os aspectos religiosos que estão ligados à Evolução da Arte e, mais especificamente ainda, à influência da religiosidade na construção da História da Música, partiremos do ramo científico que mais nos interessa: a Arqueologia. E mesmo esta, que é um dos grandes braços da Ciência, desdobra-se ainda em incontáveis outras ramificações. Delas, a que mais nos interessa: a Musicologia.

 

MUSICOLOGIA – EXPLICANDO ALGUMAS QUESTÕES

A Musicologia é um dos ramos da Arqueologia, portanto, que busca estudar a evolução da Música e traçar seu paralelo com a própria evolução humana. É papel do Musicólogo analisar de que forma a Arte Musical é manifestada pelo Ser Humano, nas suas diversas etapas evolutivas. Busca compreender e explicar de que forma o Ser Humano, nessas diversas etapas, expressou-se musicalmente a partir de sua visão do mundo, da Natureza e do Universo.  É claro, para a Musicologia, que o Ser Humano tem na manifestação artística uma poderosa ferramenta para expressar sua visão e suas crenças, em cada momento da história humana.

Importa ressaltar que o objeto de estudo deste ramo da Arqueologia é, como ela própria, bastante concreto: o sítio arqueológico. É nele que o Musicólogo busca os vestígios das manifestações musicais dos nossos ancestrais.

 

OS PRIMEIROS PASSOS – RELIGIOSIDADE E MANIFESTAÇÃO MUSICAL

Aqui, faremos uso de uma das nossas mais poderosas ferramentas – a imaginação.

Imaginemos então nossos antepassados, dando os primeiros passos na senda evolutiva do Ser Humano. Como éramos? De que forma sobrevivíamos? Se pensávamos, o que pensávamos? Que relações estabelecíamos com a Natureza e suas forças?

Segundo a Arqueologia, os primeiros seres humanos desceram das árvores, onde inicialmente viviam, para dar seus primeiros passos em terra firme, passando gradativamente a andar sobre as duas pernas, e livrando as mãos para as inúmeras outras tarefas que a necessidade de sobrevivência exigia. Assim, as habilidades das mãos para caçar e construir ferramentas rudimentares passaram a desenvolver-se.

Aqueles primeiros hominídios, no entanto, nada compreendiam acerca do mundo que os cercava. Viviam em ambientes selvagens e hostis, sujeitos a todas as agressões, frágeis que eram, oriundas dos animais selvagens e da própria Natureza. Amedrontados, buscavam as cavernas como abrigo, e não entendiam as razões que davam origem à chuva e ao sol, ao dia e à noite, às estrelas e a Lua, aos raios e aos trovões… Que mundo era aquele, afinal? E que forças eram aquelas, que se manifestavam sem controle algum, e que os ameaçavam sem razão?

Assim, amedrontados e frágeis que eram, só podiam creditar essas forças a seres “superiores”, já que tais poderes não eram próprios dos representantes da Espécie. Diante de tantas ameaças,fazia-se imprescindível estabelecer com aqueles “inimigos” relações que os apaziguassem. Então, a partir do que lhes era valioso e importante, faziam oferendas – caças, inimigos sacrificados, – através de rituais nos quais, respeitosamente, expressavam sua subserviência e obediência. Surgiam então os primeiros “deuses” – o Sol, a Lua, o vento, a tempestade… E eram aqueles “deuses” que precisavam ser apaziguados quando as coisas não iam bem – nos períodos de seca, na escassez de caça, nas ameaças de grupos inimigos…

Aqui temos, portanto, as primeiras manifestações da Religiosidade. Não de “Religião” como hoje conhecemos, obviamente, mas de um sentimento de total respeito àqueles deuses, expresso através de atos de subserviência, expressos nos rituais primevos.

Amedrontados, e vendo no fogo que, ainda não haviam tornado submisso, uma inequívoca manifestação dos “deuses”, desenvolveram gradativamente os rituais primitivos. Com os escassos recursos disponíveis, enfeitavam-se e realizavam os rituais de dança ao redor das fogueiras – uma forma de homenagear os deuses que tanto os amedrontavam.

São essas, portanto, as primeiras manifestações da religiosidade humana. Estão intrinsecamente ligadas ao surgimento, também, das primeiras manifestações da musicalidade.

 

RITMO – O PRIMEIRO ELEMENTO MUSICAL

Como sabemos, a Música se expressa através de seus 3 elementos: o Ritmo, a Melodia e a Harmonia.

E é dessas Eras primitivas o surgimento do primeiro desses elementos – o Ritmo.

Segundo a Musicologia, os instrumentos musicais mais antigos, encontrados até hoje em sítios arqueológicos diversos, são o tambor. Alguns desses fósseis, revelam a construção dos primeiros tambores com a utilização de troncos ocos de madeira, provavelmente recoberto com peles de animais.

 

Concluindo portanto, devemos creditar à absoluta incompreensão do mundo que os cercava as primeiras manifestações de religiosidade e musicalidade por parte dos homens pré-históricos. É desses períodos ancestrais, também, o surgimento do primeiro elemento musical – o Ritmo.

No próximo artigo, analisaremos a sofisticação dos rituais religiosos paralelamente à evolução da raça humana, com o surgimento das primeiras sociedades agro-pastorís. Veremos também o surgimento do 2o. elemento musical – a Melodia.

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